Por Antônio Marchiori
A crise na Agricultura em São Paulo, que chegou às ruas de inúmeras cidades paulistas, por meio do ‘tratoraço’, há duas semanas, pode ser a ponta do iceberg dos problemas de gestão do agro paulista, no governo de João Doria. Desde o início da atual administração, os equívocos na gestão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo (SAA) são recorrentes, com manifestações na Assembleia Legislativa do Estado e notícias preocupantes de mudanças nos serviços de extensão rural, que têm ocupado os principais meios de comunicação do país.
Consideramos absurda a intenção que chegou a ser divulgada pelo Estado de aumentar impostos sobre alimentos, em plena pandemia de Covid-19, assim como a reestruturação que o secretário de Agricultura, Gustavo Junqueira, tenta implementar. Desde o ano passado, há uma mobilização para demover Junqueira da ideia de fechar 574 Casas da Agricultura, ligadas à CATI – atual Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável (CDRS). As Casas da Agricultura são a porta de entrada para quem vive no campo, principalmente o agricultor familiar, aos serviços de apoio aos produtores.
Na esteira do desmonte estrutural de assistência à Agricultura, o percentual do orçamento estadual do atual governo, destinado à Secretaria, despencou e é o menor em cem anos de história.
São Paulo é o segundo pior orçamento estadual para a Agricultura de todo o Brasil. Sem investimento, o Estado reduz o alcance da extensão rural, que garante produção de alimentos pela agricultura familiar, desenvolvimento social no campo e preservação e conservação ambiental, por meio de práticas para viabilizar uma agricultura sustentável regenerativa.
Esse sucateamento ignora o potencial do agro paulista de produzir riqueza ao próprio Estado. Estudos mostram que a cada real investido em extensão rural, mais de dez reais retornam para a sociedade.
A produção de alimentos precisa de incentivo, e é esse o grito que ecoa desse ‘tratoraço’ que deixou o campo e desfilou pelas cidades, sinalizando que uma gestão imprudente na Agricultura logo trará impactos para quem vive na área urbana, e não estamos falando apenas de preços dos alimentos – o que já é grave o bastante, uma clara ameaça à segurança alimentar, princípio basilar da sobrevivência.
O que causa indignação em quem faz o agro acontecer é que, enquanto penaliza o setor rural, o Governo de São Paulo tem sido generoso com outros setores da economia. Cabe lembrar que a política fiscal do governo João Dória vem sendo questionada no Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP).
As renúncias fiscais praticadas pelo governo de São Paulo, em 2019, totalizaram a impressionante cifra de R$ 24,33 bilhões, segundo o Procurador-Geral de Contas, Thiago Pinheiro Lima.
É importante pontuar que na gestão pública, muitas vezes, a lógica do setor privado não se aplica. Por isso, cabe aos governantes olhar setores que garantem alimentação, saúde, educação e segurança como estratégicos e que necessitam de investimentos.
Não dá para assistir, de braços cruzados, a segurança alimentar da população sendo negligenciada: é algo que os produtores rurais já entenderam e estão dispostos a medir forças com o atual Governo para preservar.
*Antônio Marchiori é engenheiro agrônomo pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), Mestre em Agronomia pela Esalq/USP, Doutor em Ciências pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e presidente da Associação Paulista de Extensão Rural (APAER).